27/07/2014

A Cultura da Costaneira


Quem hoje chega aos Açores e esteja minimamente atento, depara-se com uma produção cultural e artística inversamente proporcional ao território. A produção é desmesuradamente grande para um espaço de território tão pequeno e fragmentado.
Nesta produção incluí-se o teatro, o cinema, a música, os livros, a pintura, a escultura... ou dito de maneira diferente, tudo o que possa ser englobado no conceito de ARTE.
Este fenómeno sempre me intrigou, reservando ao longo destes anos, muito tempo na sua análise. Contudo, toda a explicação que possa ter encontrado para o justificar, carecia sempre de sustentação sólida e como não a encontrava, deixava-a naturalmente cair por terra.
Ouvir recentemente, António Barreto falar do importante legado que os Açorianos possuem de tão ilustres e distintas figuras como Manuel de Arriaga, Vitorino Nemésio e Natália Correia, consegui finalmente criar a imagem que faltava para perceber a realidade que me aflige.
Os Açorianos sentem-se "filhos" destas personagens e como qualquer filho que tenha um pai ou uma mãe com intrínseca carga intelectual só tem duas saídas, ou encara os pais como qualquer outro mortal que não tenha ligações de sangue - venerando-o orgulhosamente; ou julga-se por efeitos de adn ou hereditariedade como eles. A opção generalizada foi a segunda.
Assim, se levantarmos uma qualquer pedra de basalto encontraremos um escritor, um romancista, um poeta, um investigador de heráldica ou de genealogia, um músico, um pintor, um escultor, um actor, um cineasta, resultando uma quantidade incomensurável de lançamentos de livros, inaugurações de exposições, seminários, conversas, concertos... sei lá que mais!
Julgo que nos Açores, ninguém já consegue diferenciar ARTE e PASSATEMPO, porque uma e outra possuem sempre suporte físico para a sua divulgação, através dos inúmeros centros culturais e de exposição, cujos diretores nomeados politicamente aceitam sem critério algum, tudo o que lhes é recomendado/imposto.
Acredito que muito do que se produz, não têm qualidade para ser considerado ARTE. Aqui não se discute se gostamos ou não. O que digo é que muito do que se produz em determinadas áreas da arte em geral, possui erros técnicos e não há ninguém (por desconhecimento ou falta de coragem) que informe os protagonistas, e lhes peça para enveredar por outro caminho.
Hoje a cultura nos Açores é o que nós quisermos. Uma banda filarmónica desafinada em movimento compassado pelas nossas freguesias; fazer a biografia da minha tia que era costureira; registrar estrofes atrás de estrofes; escrever algo diferente sobre a bruma; fazer o festival do iodo; um seminário sobre a atlanticidade do cavaco; um concerto de uma banda de ferrinhos; um bailado clássico inspirado na locomoção dos caranguejos; uma peça de teatro sobre a temática da silagem; uma "perfomance" sobre as bostas das vacas nas estradas...
Quem queira encontrar justificação para tanta inspiração na famigerada AÇORIANIDADE de um povo, então deve também aceitar naturalmente a TRANSMONTIANIDADE, a ALENTEJIANIDADE dos outros. Valha-nos João de Melo que nos esclareceu devidamente sobre este tema. Argumentarão os restantes que o exemplo não é muito bom porque o escritor saiu de S.Miguel aos 11 anos. Responderei eu, levou consigo o adn Açoriano.
O que se ganha com toda esta produção? Pouco, muito pouco. Arrisco mesmo a dizer nada, absolutamente nada! O que se perde com toda esta produção? Muito, muitíssimo, porque com tanto a acontecer não existe público suficiente para tudo. A existir são uma pequeno grupo, os amigos mais íntimos e a família.
O que realmente tem valor, o que tem qualidade inquestionável acaba por passar completamente ao lado da população e perdemos todos uma oportunidade de nos tornarmos mais cultos e felizes. Esses momentos existem e fazem-se na Região, no entanto, a sua projeção e reconhecimento é mais nacional e internacional, do que regional.
Mas vejamos o lado bom  disto tudo - há quem não tenha medo de ser ridículo.




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